Se acreditarmos nos cartapácios antiquíssimos, o basilisco era uma serpente fantástica, dotada da famigerada capacidade de matar com a vista. Até o padre António Carvalho da Costa diz que em São Salvador do Campo, no termo de Barcelos, «he tradição foy Mosteyro de Freyras, & que todas morrerão de verem um bicho: se he que assim foy, devia ser basilisco» (Carvalho da Costa, Corografia Portugueza, e Descriçam Topografica do Famoso Reyno de Portugal, tomo primeiro, Lisboa, 1706, p. 301).
Este monstro fabuloso, matava, também, pela emissão dum sonoro silvo e o seu hálito nauseabundo secava campos, ervas, arbustos e fontes e, imaginem, rachava o mais rochoso dos calhaus graças à pestilenta halitose. Parece, a crer nesta mitologia, que a arruda era, tão-somente, a única planta que não murchava por acção bafienta do basilisco. Era, inegavelmente, o mais poderoso dos animais venenosos, o rei desta fauna prodigiosa de veneníferos. Aliás, a etimologia desta palavra vem do grego basiliskos, um diminutivo de basileus, a significar rei, rei das serpentes.
Na Roma Antiga descrevia-se o basilisco como uma serpente coroada por uma coroa dourada, ornada por uma pluma negra. Os romanos acreditavam que seria originário da Cirenaica, na moderna Líbia e, acrescentavam, que o Sahara tinha sido fértil e esplendoroso até ser atingido pelo mortífero poder duma colossal praga desta terrível fera, que destrói e mata tudo o que mira e remira. Olhando para aquele deserto, sou levado a crer nesta explicação, tão boa como outra qualquer. Em forma de letra, a mais antiga referência a esta lendária besta aparece em Caio Plínio, “o Velho”, nas colunas do livro oitavo da História Natural.
Com o andar dos tempos, no negrume da Idade Média, este mítico animal transformou-se numa híbrida serpe com cabeça de galo, quiçá por ser gerada dum ovo de sáurio sem gema, chocado por um asqueroso sapo num ninho de estrume, apresentado, aos olhos medievais, como uma serpente ou lagarto descomunal, com escamas, crista de galo, oito patas de galináceo, cauda trífida, olhos flamejantes e uma coroa dourada na carantonha. Contudo, a explicação mais convincente, explica que o basilisco nasce dum ovo posto por um galo velho – leu bem, um galo –, pois o galo quando é muito velho produz um ovo pequeno e redondo, incubado depois por um sapo ou besta venenosa numa esterqueira ou estábulo, em dia de grande canícula.
Vivia encafuado em subterrâneos, mas igualmente em ambientes áridos, com a particular propriedade de adaptação a meios aquáticos. Quando se deslocava por franças e araganças, andava a pé firme, direito e de cabeça erguida, em vez de rastejar como os demais ofídios, o seu sibilo espantava as demais cobras e matava todos os seres vivos pela catadura.
Devido ao aspecto medonho e transcendente faculdade de matar através do olhar raivoso, montava guarda mameluca a tesouros escondidos e a princesas encantadas, conforme relatam centenares de lendas aqui e ali. A malina era quase imortal, pois a única maneira de o matar consistia em colocar um espelho na frente, morrendo a peçonhenta ao reflectir ali o seu próprio olhar mortal. Quem com ferro mata, com ferro morre. Porém, o basilisco, temia a doninha e o galo, a bom tremer. Por isso, alguns viandantes levavam um galo na sua dianteira a fim de espantar a fera.
Se por ventura alguém ferisse um basilisco, morreria igualmente vítima dos miasmas do veneno presente no sangue desta animália. O ser humano acabaria por falecer, até mesmo quando golpeia o mostrengo por uma lançada infligida do alto dum cavalo, porquanto a peçonha subiria velozmente pela haste da lança até ao corpo do cavaleiro. Entrementes morto, o celerado basilisco, tinha alguma utilidade, pois a sua pele ou carcaça esquelética envolta numa rede de ouro era colocada em templos para espantar e afastar aranhas, formigas, pássaros ou pragas.
O papa Leão IV em pessoa, no longínquo dia 27 de Abril de 848, «com assombro e admiração do povo» romano, matou uma destas pestilências que se havia infiltrado e apoderado da Igreja de Santa Lúcia de Roma, «tão pernicioso e tão mau, que com a vista matava a quantos o viam, por cuja razão ninguém se atrevia a entrar na Igreja», tão-somente couraçado com a oração e a Santa Cruz. Por este admirável milagre subiu ao altar como santo e tomou, por isso, assento na corte celestial. Para impedir a entrada aos terríveis basiliscos, o santo padre mandou fortificar a cidade de Roma e cercar a colina do Vaticano com muralhas altíssimas, dizem os crédulos para impedir os ataques de hordas sarracenas, o que não é credível para quem como ele tinha defrontado a mais temível besta.
Concluímos, assim, que o basilisco era o pior de todos os animais, uma criatura do Inferno, porque o seu veneno era inimigo de toda a natureza. Para além desta retórica, nos séculos XVI e XVII existiam ainda diversos exemplares dissecados e conservados em diversos museus reais, que eram muito apreciados pelos naturalistas e colecionadores, forjados por exímios falsificadores. E na centúria de 1700, por coisas e loisas, ocorreram na Europa acesas e longas polémicas no seio da comunidade científica e naturalista acerca da existência ou não, da venenosidade e da capacidade de matar com o olhar dos basiliscos.
O basilisco marca alguma presença nos escudos ou timbres da heráldica russa, alemã, suíça, italiana e espanhola. Contudo não conheço nenhum caso da sua utilização na brasonaria portuguesa.
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